23 novembro 2012


A Qualidade da Gestão Pública no Brasil
                                                                                    Paulo de Tarso Medeiros
                                                                                (ptmedeiros@yahoo.com.br)

Recentemente (31/10/2012), o ótimo articulista Rolf Kuntz,  do O Estado de São Paulo, publicou o artigo – Dilma no meio do Caminho – em que critica a gestão da economia por parte do atual governo. Transcrevo-o ao final deste texto. Sem discordar da lista de mazelas apresentadas, quero colocar em discussão se o problema brasileiro principal é basicamente de gestão por parte de uma dada equipe ou se nossos problemas têm uma causa mais profunda. Não estou defendendo a tese de que a gestão esteja necessariamente adequada, mas chamo a atenção para as circunstâncias em que se desenvolve.
Há dois níveis em que se pode  considerar a gestão pública no Brasil: a gestão macro-econômica e a gestão da máquina pública, neste caso especificamente no que concerne a projetos de investimentos. O artigo enumera deficiências de gestão em ambas as esferas.

O Brasil está com problemas em termos de crescimento econômico de há muito. Lembremo-nos que no início do governo Lula estávamos numa situação lamentável, com a menor taxa de crescimento das Américas, salvo o Haiti. Com a reformulação do método de cômputo das contas nacionais subimos duas ou três posições. A situação só se alterou com a enorme valorização das commodities e seus efeitos sobre a nossa economia. Essa valorização serviu para mascarar  problemas, seja na área externa, seja em termos de crescimento. Em 2012, voltamos para a rabeira.

Um dos principais fatores responsáveis por estarmos nessa situação foi e é a valorização do câmbio, que vem desde o Plano Real. De início, era justificada, mas não depois. E que nos levou à crise de 1999. Reajustado o câmbio, voltou-se ao uso da malfadada "âncora cambial. As altas taxas de juros definidas pelo Banco Central valorizaram o câmbio e aumentaram, direta e indiretamente, a dívida interna para níveis perigosos. E não colaboraram para o controle da inflação e, melhor dizendo, impediram sua queda, apesar do freio do câmbio valorizado na evolução dos preços internos. Não cabe aqui repetir o raciocínio que exposei em outros textos mas, em suma, havia uma política monetária apertada " para inglês ver", do tipo "me engana que eu gosto", que permitia a expansão da liquidez da economia, refletida em crescimento do crédito a taxas em torno de  25% a.a. E essa valorização do real, com o tempo, levou ao aumento das importações, que representa um "vazamento" da demanda agregada interna. Como bem sabemos, câmbio valorizado implica em exportação de empregos. Fizemos o contrário do resto do mundo.

Nos últimos anos, o motor do crescimento da economia foi a demanda, turbinada pela expansão do crédito. A cada ano, porém, o efeito se tornou menor, à medida em que os exportadores de outros países e mesmo nossos produtores e lojistas perceberam a vantagem de preço do produto importado. Entramos num processo de desindustrialização, freio poderoso ao crescimento da economia, criando riscos sérios para a nossa economia e mesmo sociedade. O mal já está feito. A questão principal é ver como conseguimos deter o processo que, ao meu ver, exigiria também uma desvalorização do real bem mais intensa do que a ocorrida, naturalmente com um certo impacto inflacionário, quase imediato, para colher resultados num tempo futuro. Como sabemos muito bem, não existe o "free lunch”.

Um grande mérito do atual governo foi o de reconhecer o absurdo das altas taxas SELIC. Foi enorme a redução feita, com resultados na inflação muito pequenos, as turbulências que tivemos, e estamos tendo, sendo decorrentes basicamente de choques de oferta e de decisões políticas - como o aumento do salário mínimo muito acima da inflação, como neste ano. Fala-se muito em inflação nos servicos, como se essa inflação estivesse a exigir medidas restritivas (que no ver do mercado e da grande maioria dos analistas deveria ser aumento da taxa SELIC). Mas ela reflete, além da ampliação do mercado consumidor doméstico, o fato de os servicos em qualquer economia tenderem a ter seus preços crescendo acima da taxa de inflação por ser um setor em que os ganhos de produtividade tendem a ser menores do que os do setor industrial, por exemplo, alem da influência do aumento do salário mínimo, importante componente de custos de muitos serviços. Duvido que algum dos nossos analistas, que criticou o Banco Central quando este iniciou o processo de redução da taxa SELIC, imaginava que os juros iam cair tanto, e sem as consequências temidas de descontrole inflacionário e dificuldades de financiamento da dívida interna.
A grande dificuldade da gestão macro-econômica, que busca o crescimento do produto com inflação controlada, é que o modelo até agora utilizado não mais está dando resultado. Se, como vimos, não podemos mais contar com o crescimento da demanda doméstica – influenciável pelas políticas do governo – nem com vendas ao exterior para gerar aumento adequado dos níveis de produção, por falta de competitividade, qual caminho nos resta ?
A solução teria que vir do aumento de nosso grau de competitividade, da eliminação da valorização cambial que remanesce e do desenvolvimento de novas áreas de produção, que sejam dinâmicas. Temos é certo vantagens comparativas na área de commodities, algumas minerais, e agrícolas. Mas embora possa-se esperar uma tendência de crescimento nos preços, o crescimento não é linear, o que nos deixa à mercê dos humores do mercado internacional. E, de todo modo, não dá para lastrear o crescimento do país nesse setor.
A atuação na área cambial é a única capaz de dar resultado a curto prazo, pois o aumento da eficiência de nossa economia demanda tempo, de igual modo que o redirecionamento de nossa estrutura de produção industrial, se viável – um grande “se”.
O aumento do grau de competitividade da produção doméstica pode vir da redução do ”custo Brasil”, que torne a nossa economia mais eficiente. Êsse “custo Brasil”, sabemos, tem vários vetores: deficiências de infra-estrutura, alta e complicada carga tributária, deficiências enormes na área de educação, corrupção, ambiente menos propício do que o desejável para as atividades econômicas, etc. Contribuem ainda um sistema político disfuncional – apesar de ter feito apenas referência ao problema político, as repercussões para a sociedade e a economia são das mais sérias - e um judiciário lento nas suas decisões. As soluções aqui são difíceis e demoradas.
O governo identificou (como todo mundo) a deficiência de infra-estrutura com um dos nós que impede o nosso crescimento. Tenta investir mais e tenta estimular o setor privado a investir, em boa parte via disponibilização de crédito. Nesta área, como bem registra o articulista, temos desperdiçado recursos, com o que concordo, embora reconheça que se sentindo impotente ao ver que a expansão da demanda agregada falha em ativar a economia, apela para outros instrumentos, o que abre campo para o atendimento de pleitos em função da força de convencimento de um ou outro setor.
Notemos que, num passado recente, a solução de nosso problema de infra-estrutura passava pela privatização: de estradas de rodagem, de ferro, portos, empresas elétricas, de telefonia, transporte urbano, etc. Colheram-se resultados mas as deficiências continuam a existir. Se houve melhoramento na disponibilização desses serviços, seus custos subiram a níveis acima dos vigentes internacionalmente. Um exemplo flagrante é a energia elétrica que era relativamente barata em nosso país,  devido a ter sua geração primordialmente com base em recursos renováveis, e que hoje representa um peso para a nossa indústria na sua tentativa de concorrer com produtores do exterior. E investimentos para acompanhar as exigências do desenvolvimento do país em sua maior parte continuam nas mãos do governo e, se feitos pelo setor privado, em boa parte financiados pelo BNDES. Em suma, a privatização não resolveu o problema das deficiências na infra-estrutura e trouxe algumas complicações extras.
Um dos maiores obstáculos para essa reinvenção do Brasil são as nossas deficiências educacionais, grandes em termos comparativos e que correm o risco de aumentar, pois os outros países continuam evoluindo. Boa parte da população recebeu educação de baixa qualidade e pouco voltada para áreas tecnológicas. Ainda sofremos com o analfabetismo e mais ainda com o analfabetismo funcional. E há aspectos culturais, como a visão de que cabe ao governo a solução de muitos problemas individuais, e a distorção de muitos dedicarem seus esforços educacionais para se tornarem funcionários públicos, com altos investimentos pessoais em tempo e dinheiro para adquirir conhecimentos que não contribuem tanto assim para o desenvolvimento do país. E ainda a questão da impunidade, que faz com que o desrespeito à autoridade, inclusive a escolar, limite a capacidade de transmitir conhecimentos.
Nossa população tem baixo nível relativo de competência e os que estão no processo de aprender e se aperfeiçoar ainda saem com deficiências. O problema é complexo, em alguns pontos está sendo enfrentado, como na recente expansão da rede federal voltada às carreiras tecnológicas, mas vai ser longo o processo e sem garantia de que ao final nos tornaremos competitivos. 
Os países desenvolvidos já passaram por essa fase de perder setores industriais tradicionais para produtores de menor custo e deram a volta por cima ao se concentrarem em áreas de tecnologia de ponta e na exportação de serviços. Fala-se nessas alternativas para o Brasil mas dadas as nossas limitações não as vejo como promissoras.
A cultura de corrupção é um dos problemas mais sérios do Brasil. Alguns (muitos ?) dos que assumem poder de decisão querem obter vantagens sem falar naqueles nos escalões intermediários que se acham no direito de levar vantagem. E essa situação se agrava com o lotamento de entes governamentais, que se transformam em feudos de partidos políticos. E daí nascem licitações dirigidas, superfaturamentos e outras mazelas além de fazer com que a máquina pública deixe de se guiar somente por parâmetros de eficiência. E o TCU, que é um órgão ainda muito preocupado com aspectos formais, por vezes sugere a suspensão de obras (nem sempre por razões consistentes) quando talvez o prejuízo menor para o país fosse tocar a obra e cobrar criminalmente dos responsáveis pelo mal-feito (para usar a expressão eufemística popularizada pela presidente). E temos a lendidão da justiça que acaba, ao fim, deixando sem punição os corruptos e corruptores. E com isto diminui o poder dissuasor da luta contra a corrupção.

A saída para a armadilha do baixo crescimento, sugerem alguns, não estaria também no aumento da taxa de investimento da economia ? Esse aumento torna-se difícil, primeiro, pelos nossos tradicionalmente baixos níveis de poupança. No caso das famílias, a poupança tem sido afetada pelos estímulos ao consumo, que cresceram, e muito, nos últimos tempos. E quanto mais aumenta o consumo das famílias, menor a poupança, que é o seu complemento.
O investimento feito pelas empresas, o componente mais importante, depende basicamente do grau de dinamismo da economia. Se crescemos pouco, há pequeno incentivo para investir. E, como disse, as perspectivas de crescimento não são boas, pois o crescimento da demanda em parte crescente “vaza” para o exterior (adeus consumo como motor de crescimento) e não se pode contar com as vendas externas, por falta de competitividade, salvo via aumento no preço de commodities, o que não controlamos.
Temos o investimento direto estrangeiro, que tem vindo em volume apreciável, mas que aparentemente tem mais se direcionado à compra de empresas nacionais, contribuindo menos do que aparenta para o aumento da produção, e, ademais, em parte expressiva destinado ao setor de serviços, voltado ao mercado doméstico (penso aqui no equilíbrio do setor externo).
O investimento público pode ter papel importante por independer das condições conjunturais, mas fica limitado pelo baixo nível de poupança do governo, sempre às voltas com aumentos constantes em suas despesas correntes, e na sua própria (in)capacidade de gestão. De todo modo, investimentos, por sua natureza, têm efeito mínimo na situação conjuntural e além de  parte da demanda a ser criada com sua execução ser atendida por importações.
Na parte de projetos, dizer que o governo não conseguir investir por problemas de gestão, embora tenha seu fundo de verdade, tira o foco de outras razões que impedem a realização desses investimentos. Grandes projetos tomam tempo antes de se poder iniciar qualquer obra: há que se ter o projeto, há que fazer a licitação, há que obter o licenciamento ambiental. E aqui entram vários fatores que precisam ser analisados: a ineficiência da máquina estatal, que não se desestruturou apenas nos últimos anos, a cultura do corrupção que sabiamos existir mas que só agora comeca a ganhar as manchetes, o absurdo de nossa legislação ambiental, etc. Eu, por exemplo, não consigo entender porque a duplicação de uma rodovia deva exigir grandes estudos, já que o impacto adicional deverá ser pequeno. Mas obras ficam atrasadas.
Ademais, parecem existir problemas sérios na licitação das obras, que acabam requerendo, correta ou incorretamente, aditivos ao contrato que representam expressivos aumentos de custo. Seja pela falta de um projeto melhor definido, seja pela tendência de subestimar os custos para ganhar a concorrência sabendo que poderá recuperar sua rentabilidade no decorrer do processo, seja pela falta de mecanismos de punição adequados para quem não cumpra com o contratado, o fato é que as obras acabam com custos acima do planejado e com atrasos em sua execução, quando não interrompidas. E investimentos expressivos, como os da transposição das águas do rio São Francisco, por exemplo, estão pela metade, sem gerar nenhum benefício para o país, apesar das vultosas quantias despendidas. Um outro caso noticiado recentemente foi o de um parque eólico no Nordeste que ficou pronto, a empresa que o construiu vai ser remunerada pela produção potencial, mas nenhum kw/h vai  ser utilizado porque a linha de trasmissão, de responsabilidade de outra empresa, não ficou pronta no prazo devido – o noticiário deu até a impressão de que nem estava ainda sendo construída. Estes são óbvios casos de deficiência de gestão, mas gestão numa visão integrada de todas as etapas. Talvez fosse o caso de se transformar um dos muitos ministérios e secretarias existentes numa secretaria de gestão de projetos, para garantir que ficassem prontos a um custo adequado, ou até para que fossem simplesmentes completados, porque pior do que um projeto superfaturado é um projeto que quase chega ao fim mas não fica pronto.
Aliás, o problema de projetos não está apenas no acompanhamento de sua execução, mas na sua definição. Um dos maiores absurdos em termos de investimento neste país é o projeto do trem-bala, de custo sabidamente astronômico mas impossível de determinar, que vai caminhando, apesar de todos os sinais de alerta do absurdo que representa. De inciativa a ser feita com o risco do setor privado, passou a ser de construção e exploração privadas, mas financiada no fundo com recursos públicos, e com o governo assumindo o risco do empreendimento. Não consigo conceber que não existam projetos de maior retorno para o país, até porque este ameaça ser um projeto financiado a fundo perdido ....
Em suma, temos efetivamente problemas de gestão, e grandes, que cabe enfrentar, mas estes não vão desaparecer com a simples troca de gestor, mesmo que o novo tenha uma visao distinta da visão do atual. Se precisamos cobrar mais eficiencia dos gestores atuais, e neste ponto o artigo é importante, há que olhar mais fundo na busca das causas.

23.11.2012

 

 

 

 

 

 

Dilma no meio do caminho

Autor(es): Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo - 31/10/2012
A presidente Dilma Rousseff completará dois anos de mandato com a economia em marcha lenta, inflação acima da meta, contas públicas em pior estado, exportações fracas, investimentos federais emperrados e infraestrutura em deterioração. Nenhuma explicação oficial basta para disfarçar a frequência dos apagões nem o fracasso na execução de investimentos no setor elétrico (no primeiro semestre, a Eletrobrás só aplicou 20,8% do total previsto para o ano). A gestão federal continua ineficiente, mesmo depois da faxina em vários ministérios, porque o loteamento foi mantido. A presidente exacerbou o voluntarismo, pressionando a política de juros, e manteve o uso das estatais para a execução de políticas estranhas a objetivos empresariais. Um reajuste de 15% para os preços dos combustíveis era um dos pressupostos do plano de negócios da Petrobrás apresentado em junho, lembrou o diretor financeiro da companhia, Almir Barbassa. Os reajustes foram menores, apesar da necessidade de caixa. Prevaleceu a ideia de frear a inflação por meio da contenção de alguns preços. Mas o governo insistiu na redução dos juros básicos e aceitou a manutenção, por mais alguns anos, da meta de inflação de 4,5%, muito alta pelos padrões internacionais. Talvez nem esse nível seja alcançado nos próximos dois anos. Ao mesmo tempo, a administração agrava a promiscuidade entre as políticas fiscal e de crédito, endívidando o Tesouro para reforçar a caixa dos bancos federais. Cada lance desse tipo confunde objetivos, agrava problemas fundamentais, dificulta as ações corretivas e reduz o espaço da política econômica.
Na falta de resultados concretos, sobra a retórica. É esse o recurso do pessoal da Fazenda, por exemplo, para tornar menos feia a apresentação das contas públicas. Segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustín, o governo resolveu dar prioridade ao crescimento. A arrecadação decepcionante é explicável em parte pelo baixo dinamismo econômico - especialmente da produção industrial - e em parte pelos estímulos concedidos a alguns setores e prorrogados até o fim do ano. A justificativa pode parecer boa, à primeira vista, mas a impressão favorável dura pouco.


A expansão da economia será um fiasco pelo segundo ano consecutivo. As projeções, incluída a do Banco Central, estão na vizinhança de 1,6%, resultado miserável, depois dos 2,7% de 2011. Não dá para explicar esse quadro só como consequência da crise global. Outras economias emergentes, incluídas algumas da América Latina, como a colombiana, a peruana e a chilena, estão bem mais vigorosas que a brasileira.
Mas vale a pena discutir a própria política de estímulos. Ha algo errado nas manobras do governo para impulsionar a atividade econômica. O Executivo tem apresentado três linhas de ação na área fiscal - expansão dos investimentos do setor público, incentivos ao setor privado e aumento de recursos para os bancos federais.

A política de incentivos tem sido prejudicada por um engano evidente na escolha do alvo. Desde o ano passado o governo tem estimulado o consumo, por meio de corte de impostos e de aumento do crédito, mas a resposta da maior parte da indústria de transformação tem sido decepcionante. Projeções indicam uma contração do produto industrial neste ano e uma recuperação moderada em 2013, embora os consumidores tenham continuado a ir às compras. Parte do estímulo, como já foi mostrado com números do próprio governo, resultou apenas em mais importações. Ha um inegável erro de enfoque, porque só alguns segmentos da indústria foram alcançados pelos estímulos.

A política de investimentos é quase sempre um poderoso estimulante, em épocas de crise, mas, o governo precisaria de muito mais competência para usar esse recurso de forma produtiva. De janeiro a setembro, segundo os dados oficiais, o Tesouro investiu R$ 45,2 bilhões, 23,3% mais que nos meses correspondentes de 2011. Esse total inclui os R$ 24,3 bilhões investidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), valor 35,1% maior que o de um ano antes.

Mas boa parte desses desembolsos, como sempre, foi de restos a pagar. A administração federal continua incapaz de aplicar as verbas orçamentárias do ano. O governo tem sido, na administração direta e na indireta, um investidor inepto. Até outubro, 310 ações do PAC estavam paralisadas, segundo levantamento da organização Contas Abertas. A União e as estatais deveriam tocar neste ano 651 ações, no valor de R$ 116 bilhões. Desembolsos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário até setembro e das estatais até agosto somaram, no entanto, apenas R$ 63,3 bilhões. Sobra voluntarismo, falta competência e os erros da atual gestão acrescentam-se aos do governo anterior. Os apertos da Petrobrás, forçada a se livrar de ativos no valor de US$ 14,8 bilhões, simbolizam claramente esse acúmulo de erros.


18 setembro 2012


 

Redução do compulsório bancário versus queda da taxa SELIC - 15.09.2012

O Banco Central anunciou redução no montante recolhido pelos bancos a título de depósitos compulsórios. Segundo o noticiário, foi eliminada a alíquota de 6% do adicional sobre os depósitos a vista e o percentual sobre os depósitos a prazo passou de 12 % para 11%. Com isto, informou-se que R$ 30 bilhões serão postos em circulação nos próximos meses para aumentar o crédito ao consumidor.

Adicionalmente, os bancos podem recolher até metade do valor do compulsório em letras financeiras emitidas pelos bancos e colocadas junto a grandes investidores e na compra de carteiras de crédito.

Embora tenha sido informado que o objetivo das medidas seja estimular a demanda agregada com a ampliação do crédito, sua implantação logo após a liquidação do Banco Cruzeiro do Sul e a inclusão do estímulo à aquisição de carteiras de crédito parece indicar que o objetivo principal foi facilitar o financiamento dos bancos de pequeno e médio portes, que tendem a enfrentar problemas de liquidez quando aumenta o risco do mercado. Bancos de menor porte, em geral, emprestam mais do que sua capacidade de captação de recursos do público permite, dependendo de outros bancos para completar o seu financiamento – o grau de risco de um banco é irrelevante para quem toma empréstimo, mas importante para quem nele deposita. O Banco Central certamente não explicitou esse objetivo porque não  seria apropriado anunciar que os bancos menores estão com dificuldade de financiamento.

O raciocínio por trás das medidas é que com o aumento das reservas livres em poder dos bancos e, mais ainda, com o estímulo de trocar reservas depositadas em dinheiro por um ativo que renda juros de mercado (as carteiras de crédito adquiridas), o grandes bancos se sintam mais dispostos a correr os riscos de emprestar para bancos de menor porte, reduzindo o aperto na liquidez deles.

Certamente, pode aumentar a propensão dos bancos de financiar bancos de menor porte, seja diretamente, seja via compra carteiras de crédito (o mais provável). Entretanto, a sucessão  de casos em que a contabilidade dos bancos incluía ativos inexistentes ( Banco Panamericano e, agora, o Cruzeiro do Sul) pode colocar em dúvida a saúde financeira de outros bancos. Fica difícil de entender como a fiscalização do Banco Central não tenha conseguido identificar prontamente essas irregularidades que, no caso do Banco Cruzeiro do Sul, um banco pequeno, gerou um passivo a descoberto de cerca de R$ 2 bilhões.

Em consequência das medidas, pode haver alguma redução de taxas de juros, os bancos ficam com maior potencial de ampliar o crédito e, se o fazem, amplia-se a demanda agregada. O efeito expansionista efetivo é difícil de prever, pois o sistema já tem bastante liquidez e há dificuldades no lado da demanda por crédito. De qualquer forma, faz muito bem à lucratividade do sistema bancário.

O aumento do compulsório bancário (ou sua redução) tem, em princípio, mais efeito sobre as taxas de inflação do que alterações na taxa SELIC. Quando o BACEN baixa as taxas de juros, há sempre analistas a gritar do perigo do crescimento da inflação. Agora, ficam mudos.

Caso essas liberações levem efetivamente ao aumento da demanda agregada, que o BACEN objetiva, pode haver uma tendência a aumento de preços, ameaça que a autoridade monetária nao vê como séria, no momento, dadas as nossas condições, com o que concordo.

Não estou aqui a discutir se mais um estímulo monetário é devido ou não. Temo apenas que se, no futuro, a inflação voltar a pressionar o teto da meta a gritaria do mercado, e a ação do BACEN, seja no sentido de aumentar as taxas de juros, deixando o compulsório dos bancos no seu nível ora reduzido.

Altas taxas de juros são associadas a uma política monetária apertada, o que não foi verdadeiro nas condições brasileiras, dado que atrairam grande volume de dólares para o nosso país. Desenvolvi este raciocínio em outros textos, e não cabe repeti-lo aqui.

Por isto é que digo que a política monetária de altos juros praticada tem sido do tipo “me engana que eu gosto”. Parece apertada, mas não é.

 

06 agosto 2012


Quantitative Easing # 3

Sempre que o crescimento do economia norte-americana decepciona, o mercado fica na expectativa de nova rodada de expansão monetária do FED.

Depois de duas rodadas de expansão e outras medidas quando da crise de 2008, o portfolio de investimento do FED está em 2,9 trilhões de dólares. É muito dinheiro!

Normalmente, a autoridade monetária atua sobre a taxa dos FED funds, que é o preço que baliza a troca de reservas entre os bancos nos Estados Unidos, operando, se necessário, no mercado aberto para fazer chegar a taxa praticada no nível desejado. Mas essa taxa chegou a um nível tão baixo que esse canal de influência da política monetária secou. É a famosa “armadilha de liquidez” definida por Keynes. A saída encontrada por Bernanke, estudioso da grande depressão dos anos 30, foi atuar nas taxas de juros de médio e longo prazo, via compra dos títulos mais longos, no mercado. Não só títulos federais, mas também títulos garantidos por hipotecas (as mortgage backed securities), procurando, aqui, reviver o mercado imobiliário via maior oferta setorial de crédito e baixa de taxas, além de dar liquidez às instituições financeiras detentoras desses títulos. Essa política teve sucesso, no sentido de que a remuneração dos títulos do Tesouro Norte-americano de 10 anos, os que balizam os empréstimos imobiliários,  estão no nível record de 1,39% ao ano, juros reais negativos. E os financiamentos imobiliários de 30 anos de prazo estão no nível de 3,5 % , também um record. Certamente essa política teve resultados, e o desempenho da economia estaria muito pior sem essa atuação. Mas não foi o suficiente para gerar o nível de crescimento que se costuma ter na fase de recuperação do ciclo econômico.

Essa preocupação com o crescimento econômico decorre do fato de o Banco Central norte-americano ter o duplo mandato de cuidar do controle da inflação e do crescimento da economia (ao contrário do nosso Banco Central, cujo mandato cinge-se apenas ao campo inflacionário). As baixas taxas de inflação, as registradas e as esperadas no futuro próximo, têm permitido ao FED ir muito além do que seria o normal, à primeira vista, no estímulo da economia, embora exista o potencial inflacionário desse enorme volume de liquidez lançado no economia, que por ora não assusta.

É opinião da maioria dos especialistas que uma nova expansão monetária teria pouco efeito no crescimento da economia, dados os níveis já bem baixos das taxas de juros e o fato de muitas empresas estarem com alto grau de liquidez. Então, por que essa aflicão do mercado se o FED vai ou não realizar uma nova rodada expansionária (int) A razão é simples: uma nova injeção de liquidez vai transbordar para os mercados de diversos ativos, aumentando sua demanda e fazendo subir os preços. Confirmado o QE3, o mercado de ações vai se animar e os preços irão subir. Mas será, de novo, um ganho que irá se esgotar em algum tempo, pois não altera a situação básica da economia.

A dificuldade de a economia deslanchar de vez decorre em grande parte do impacto da crise sobre o consumo das famílias, que representa cerca de 2/3 do PIB norte-americano,   função do nível de endividamento dessas famílias, da incerteza criada pelos altos níveis de desemprego e da condição do mercado imobiliário, sendo as casas o mais valioso ativo das famílias (cerca de 25% das casas hipotecadas estão com o seu preço abaixo do valor do financiamento). Contribui muito, também, o impasse político que imobiliza a política fiscal e, pior ainda, a torna contracionista. Nas circunstâncias, a política fiscal expansionista seria o mecanismo recomendado. Na parte fiscal, temos ainda a perspectiva de aumento de impostos, face à não renovação de seus cortes, e grandes reduções de despesas programados para a virada do ano a afetar as expectativas dos agentes econômicos – o que está sendo denominado de “fiscal cliff”, precipício fiscal no qual cairia a economia. Frase de efeito que tenta fazer com que um problema grave se torne desastroso, o que não é o caso. Restam então o investimento, que não aumenta a nível de empresas sem a perspectiva de crescimento da demanda e o do setor público, limitado pela restrição fiscal, e o saldo das transações externas, este sim beneficiado pela desvalorização do dólar que tende a ocorrer com a expansão monetária. Mas com a Europa brincando com a recessão e com os BRICS perdendo força não há tanto espaço para crescimento das exportações.

Da falta de melhor alternativa, decorre a possibilidade de o FED aumentar a liquidez da economia, apesar de pouca efetiva. Se ocorrer, o QE3 vai ser elogiado pelos democratas, criticados pelos republicanos e pelo ministro Mantega e festejado pelo mercado.

11 julho 2012


O Problema do Gasto Público no Brasil
Paulo de Tarso Medeiros
A participação do governo na economia brasileira é alta em termos mundiais, e crescente. Arrecada-se muito e prestam-se serviços (educação, saúde, segurança) de baixa qualidade e investe-se pouco, o que se traduz numa infra-estrutura com muitas deficiências.
Sempre se ouve a cantilena de empresários e economistas: “Há que reduzir o tamanho do Estado, há que reduzir os gastos de custeio e aumentar os investimentos públicos.” O discurso fica sempre no nível de generalidades e, como tal, sem resultados.
A luta pelo controle dos gastos públicos tem que ser feita no dia-a-dia, dada a nossa cultura jurídica: o funcionário público não pode ser demitido; seu salário não pode ser reduzido; as aposentadorias e pensões têm que ser preservadas, e estes são os grandes itens de gastos de custeio.
Em muitos países, como nos Estados Unidos, os funcionários públicos não têm estabilidade nem seus salários são irredutíveis. É comum por lá, em caso de grandes mas passageiras dificuldades orçamentárias, funcionários serem dispensados de trabalhar um dia por semana, perdendo a remuneração dos dias não trabalhados – chamam isto de “furlough”. E os empregados do setor privado, que nem aviso prévio têm, podem ter  seus salários reduzidos.
No Brasil, se o governo se vir forçado a reduzir, rápida e substancialmente, o gasto público, como ocorre nos países europeus em crise, não poderá fazê-lo. A médio prazo, a inflação poderia corroer o poder de compra dos salários, mas os “outros poderes” e as categorias fortes do funcionalismo iriam lutar por aumentos preventivos, frustrando o ajuste.
Faço estas digressões pensando nas diversas greves em andamento no setor público, bem como nos aumentos no Legislativo, Judiciário e no Ministério Público. É natural o funcionário querer aumento e há distorções salariais que criam uma sensação de injustiça. Mas  verdade é que os salários do setor publico já tendem a ser maiores, ou bem maiores, do que os do setor privado.
Segundo o Executivo, se atendidas todas as reinvidicações dos grevistas (obviamente parte do pedido de aumento embute gordura para a negociação) os gastos aumentariam em cerca de R$ 80 bilhões ao ano. É dinheiro demais, mesmo em condições normais da economia, mas uma irresponsabilidade dada a atual conjuntura, nossa e mundial. Até o momento a nova crise nos afetou de forma leve, mas se olharmos para alguns países europeus vê-se que a situação deles alterou-se com muita rapidez. Sem falar em outras “bondades”em discussão no Congresso, como a tentativa de eliminação do “fator previdenciário”.
Há sempre um problema quando os interesses de grupos específicos se chocam com os interesses difusos da sociedade. Aqueles se organizam enquanto estes se mantêm amorfos. Apenas o Executivo cai na luta, posição perigosa num ano eleitoral. Os “prejudicados” cobram o seu preço enquanto os que seriam os “beneficiados” não estão nem aí. Mas deveriam estar porque é no “varejo” que se ganha ou se perde a luta pelo controle dos gastos públicos.
Onde está o clamor dos empresários, economistas e outros formadores de opinião (int)